Como parte das realizações do grupo de trabalho responsável pela elaboração da publicação Coalização Saúde Brasil – Uma agenda para transformar o sistema de saúde, foi criada uma lista de 11 iniciativas que priorizam ações fundamentais para a constante melhoria da oferta de serviços no sistema de saúde brasileiro. Conheça-as a seguir:
1) Estimular a mudança cultural para o foco em promoção da saúde através de maior educação da população e atuação do empregador.
Para estimular os cidadãos a se tornarem responsáveis pela própria saúde, é necessária uma mudança cultural que envolve:
- Role modeling (exemplo a ser seguido): ter referências para a promoção da saúde, por exemplo, dentro das empresas, onde os adultos passam a maior parte do seu tempo.
- Promoção da compreensão: compreender a importância do cuidado com si mesmo, por exemplo, desde a escola.
- Mecanismos formais de reforço: ter incentivos financeiros ou não financeiros para mobilizar os cidadãos, oferecidos, por exemplo, pelas operadoras de planos de saúde privados ou por parceiros do governo.
- Desenvolvimento de competências: ter plataformas acessíveis de conhecimento e informações sobre saúde. Por exemplo, plataformas do governo ou privadas para a população em geral ou direcionadas a grupos de interesse.
2) Fortalecer a atenção primária, principalmente no setor privado, valorizando a medicina da família e uso de multiprofissionais
Globalmente, a atenção primária vem sendo cada vez mais valorizada e expandida. O Brasil deveria se adaptar para seguir essa tendência por meio das seguintes ações:
- Ampliar a atenção primária, expandindo-a de maneira significativa no setor privado.
- Aumentar a capilaridade da atenção primária com o uso de multiprofissionais.
- Valorizar o médico de família e adaptar a formação médica no país para viabilizar esse movimento.
3) Ampliar o acesso a medicamentos e garantir maior adesão a tratamentos
As políticas de acesso a medicamentos englobam quatro aspectos relevantes:
- Abrangência da cobertura: definição dos medicamentos incorporados ao sistema com base em evidências.
- Política de compra: estratégias nacionais de compra.
- Mecanismos de financiamento: programas para gratuidades e copagamentos.
- Gestão de dados de uso: acompanhamento de indicadores de prescrição adequada com base em protocolos clínicos e acompanhamento de adesão ao tratamento.
4) Estimular e realizar pilotos de modelos inovadores de atenção
Novos modelos de atenção impactam em qualidade, satisfação e sustentabilidade financeira do sistema durante toda a jornada do paciente ao longo dos níveis de atenção.
- Atenção primária: digitalização do atendimento, atendimento por telefone para triagem e encaminhamentos e monitoramento remoto de doenças crônicas.
- Atenção secundária: “fábricas” especializadas que realizam procedimentos em ambientes mais eficientes em termos de custo do que hospitais, sem necessidade de internação e com melhores resultados devido à especialização, contando ainda com unidades móveis com esse mesmo objetivo.
- Atenção terciária: “fábricas” especializadas na produção em massa de cirurgias replicáveis e consultorias virtuais entre profissionais de diferentes níveis de especialização.
- Cuidado com idosos: atenção domiciliar (home care), monitoramento e consultas remotas.
5) Construir uma agenda nacional para inovação, respaldada por uma maior agilidade regulatória e maior integração da pesquisa acadêmica com a cadeia
Países e cidades ao redor do mundo têm usado uma metodologia para criação de polos de “Ciências da Vida” compostos por sete elementos, sendo eles:
- Definição do perfil estratégico e aspirações do polo: no Canadá, foram definidas áreas-foco nas quais o corredor Quebec-Ontário poderia estabelecer vantagens competitivas globais com objetivos claros de monitoramento.
- Estrutura financeira e de governança: em Singapura, a governança do projeto é realizada por duas agências ligadas ao governo (EDB e A*STAR).
- Comunicação e branding: nos Emirados Árabes, realizam-se eventos semanais para fortalecer a atração ao polo, bem como a publicação de uma revista mensal em inglês.
- Formação, atração e retenção de capital humano: nos Estados Unidos, são feitas parcerias com faculdades de renome na área e promove-se a atração de talentos internacionais.
- Fomento de ambiente de inovação e empreendedorismo: em Israel, foram investidos US$ 250 milhões em startups de biotecnologia compartilhadas pelo governo e setor privado.
- Disponibilidade de infraestrutura física e virtual: no Reino Unido, foram investidos £800 milhões na construção de cinco centros de pesquisa.
- Relacionamento com o governo, incentivos fiscais, ambiente de negócios: no México e em Singapura, as leis de proteção à propriedade intelectual e patentes foram revisadas e as esferas estadual e federal foram integradas.
Para garantir um ambiente ideal para P&D, houve grande investimento em regulação e incentivos financeiros no polo de Biopolis, em Singapura:
Regulação: mudança de políticas com implementação rápida e bem-sucedida. Sólida proteção e fiscalização da propriedade intelectual e nova estrutura de testes clínicos com o mais breve tempo de aprovação para início dos testes (aprovação regulatória em aproximadamente quatro semanas e aprovação pelo comitê de ética em quatro a seis semanas).
Financeiro: deduções no custo de patentes e em despesas com P&D terceirizado e seed capital (capital de semente), e financiamento de empreendimentos de tecnologia.
No Brasil, ainda existe grande oportunidade para agilizar o processo de aprovação de patentes e de novas tecnologias, uma vez que são necessários até 14 anos para se obter uma patente. Uma experiência atual de polo de inovação busca vencer esse desafio – grandes empresas do setor farmacêutico estão formando joint ventures para fortalecer P&D em saúde no Brasil.
6) Estimular modelos assistenciais com foco no idoso e no doente crônico
O Brasil precisaria investir em soluções para atender o desafio da nova demanda: envelhecimento populacional e prevalência de doenças crônicas. Para tanto, deveria tomar as seguintes ações:
- Viabilizar modelos inovadores de atenção que tenham foco em idosos e doenças crônicas.
- Garantir que os modelos atendam as diferentes necessidades dos idosos: independentes, dependentes ou em fase terminal.
- Estabelecer mecanismos para garantir adesão ao tratamento crônico.
- Garantir a formação de profissionais capacitados para atender o novo perfil populacional.
Diferentes países têm apostado em novos modelos de atenção para idosos e crônicos seguindo tendências similares:
- Integração do cuidado: o paciente tem acesso a todos os níveis de atenção em um único lugar ou sistema (regional).
- Coordenação do cuidado: paciente conta com um profissional, em geral um enfermeiro, como o coordenador de seu tratamento.
- Forte presença de soluções digitais: prontuários eletrônicos integrados pela rede, monitoramento remoto e outras soluções digitais.
- Incentivos corretos: os médicos têm incentivos financeiros para evitar internações e intervenções desnecessárias.
7) Estabelecer processo e governança para protocolos clínicos de referência nacional
O Brasil deve fortalecer o uso da medicina baseada em evidências para definir protocolos clínicos que fundamentem as decisões de cobertura do sistema e estabeleçam referência nacional para provedores de saúde, sejam eles públicos ou privados. Os principais objetivos seriam:
- Tornar os processos atuais da CONITEC no SUS mais participativos e robustos;
- Aumentar a adesão às recomendações da CONITEC;
- Estimular maior participação e protagonismo do setor privado;
- Viabilizar a integração com agências de saúde nacional e internacionalmente.
8) Iniciar discussão sobre os diferentes modelos de pagamento buscando maior alinhamento de incentivos
Mudanças no modelo de pagamento não necessariamente promovem maior foco no desfecho e custo-efetividade. Isso ocorre pois não existe um modelo de pagamento ideal que resolva todos os problemas e cada modelo traz incentivos positivos e efeitos adversos que precisam ser contornados. Dessa forma, a discussão sobre diferentes modelos de pagamentos deve passar primeiramente pela definição dos pré-requisitos necessários para que uma mudança tenha êxito.
Os principais pré-requisitos a serem considerados são:
- Medição e uso de indicadores nas três dimensões principais de criação de valor para a sociedade: qualidade, desfecho e custos.
- Uso de protocolos clínicos baseados em evidência, que estabelecem os procedimentos mais efetivos em termos de custos para cada diagnóstico e os resultados esperados.
9) Criar capacidade para consolidação, análise e divulgação de dados nos sistemas público e privado
Três objetivos principais podem ser atingidos com maior uso de indicadores na saúde:
- Eficiência de gestão: estimular os atores da saúde a melhorar seus resultados por meio da comparação e da concorrência.
- Melhor planejamento do sistema: melhorar a alocação de recursos no sistema, ao permitir o planejamento mais eficiente de todos os elos da cadeia.
- “Empoderamento” da população: publicar os dados e permitir fiscalização das instituições, com pacientes/cidadãos fazendo escolhas mais conscientes.
10) Integrar dados do paciente de forma centralizada por meio de prontuário eletrônico
O registro eletrônico e a integração dos dados do paciente abordam os três desafios do sistema de saúde brasileiro (custos, qualidade e satisfação), pois permitem:
- Reduzir desperdícios no sistema, por meio de maior controle sobre os procedimentos já realizados pelo paciente.
- Gerar dados para ampliação do uso de medicina baseada em evidências, a fim de determinar os tratamentos que apresentam os melhores resultados.
- Melhorar a qualidade e agilidade do diagnóstico e do tratamento, a partir do conhecimento do histórico completo do paciente pelo profissional de saúde.
- Melhorar o acompanhamento dos pacientes crônicos, por meio do monitoramento remoto dos dados desses pacientes, em tempo real.
- “Empoderar” o paciente, com base no fornecimento de informações ao paciente acerca de quais tratamentos apresentam melhores resultados.
11) Reorganizar o sistema de redes de atenção na busca de maior eficiência e escala
Três desafios do sistema podem ser abordados através da organização e execução dos serviços considerando regiões de saúde. São eles:
- Reorganização administrativa do sistema, com diretrizes nacionais e órgãos executores com competências adequadas ao seu nível de responsabilidade.
- Revisão do desenho das regiões de saúde com escala adequada, respeitando características geográficas, mas não necessariamente os limites entre municípios.
- Planejamento otimizado das regiões de saúde com centros especializados, descentralização da atenção básica e integração do cuidado.
Excertos do capítulo 4 (Detalhamento das iniciativas priorizadas) da publicação Coalização Saúde Brasil – Uma agenda para transformar o sistema de saúde